A solidão não chega, ela se infiltra.
Arrasta-se como neblina sobre a alma,
entra sem pedir licença,
habita os intervalos do dia,
recosta-se ao meu lado
mesmo quando o mundo insiste em parecer cheio.
É presença que não fala,
é a companhia que não consola,
a sombra que me escolheu
e jamais se afasta.
A tristeza não me visita:
ela mora em mim.
É antiga, é íntima, é fiel.
Não se faz apenas de lágrimas,
mas de um cansaço que ultrapassa o corpo e adoece o existir.
Cansaço de ser forte
num mundo que idolatra a dureza,
enquanto tudo em mim suplica por repouso.
Ela não passa, ela se deposita.
Camada sobre camada,
até que respirar deixa de ser natural
e passa a ser resistência.
Apontam-me um deus.
Erguem-no diante de mim
como se fosse resposta.
Dizem: “Acredite”,
com a facilidade de quem nunca tocou o vazio.
Mas onde está esse deus que proclamam?
Não o encontro nos dias longos
que sangram lentamente,
nem nas noites em que me perco
procurando sentido entre escombros.
Se existe, está ausente.
E se observa, não intervém.
Não acredito em deuses, entidades ou promessas celestes.
Minha dor não encontra altar,
minha angústia não encontra salvação.
Estou só e lúcida demais para fingir fé.
E os outros…
onde estão os que juraram estar ao meu lado?
Os que oferecem presença
apenas com a boca.
As palavras dizem “estou aqui”,
mas os gestos se calam,
e o silêncio revela a verdade nua:
estou só entre muitos.
Aprendi, com amargura,
que a solidão também pode ser coletiva
estar cercada
e ainda assim abandonada.
Ah, como eu queria não ter crescido.
Não por nostalgia pueril,
mas por exaustão de consciência.
Crescer foi aprender demais sobre o mundo,
sobre suas normas sufocantes,
suas exigências cruéis,
sua incapacidade de acolher
quem sente fundo demais.
Crescer foi descobrir
que não há lugar para os excessivos,
para os que transbordam dor,
para os que não cabem nas formas prontas.
Crescer foi perder o direito à fragilidade
e ainda pedir desculpas por ela.
Se houvesse escolha,
eu teria ficado à margem do tempo,
num ponto esquecido da existência,
onde ainda era permitido ser
sem justificar-se.
Onde não era necessário parecer inteira
quando tudo em mim desmorona.
Onde a ruína não precisava ser escondida,
onde a dor podia existir
sem ser corrigida.
Sou feita de escombros,
de lucidez e de ausência.
E talvez essa seja
minha mais trágica fidelidade à vida.