Não foi o céu que me sonhou,
foi a carne, cansada do chão,
que ergueu o alto
para não se afogar em si. 

Com as mãos trêmulas de medo
o homem talhou o invisível, 
vestiu o vazio com nomes sagrados
e chamou de eterno 
o que não suportava perder. 

Do barro nasceu o altar, 
do grito nasceu o mito, 
da fome nasceu a promessa
de que haveria mais 
do que ossos e silêncios.

Cada deus carrega um desejo oculto:
Cristo sangra a culpa humana,
orixás dançam a força que lhes faltam,
Allah sustenta a ordem temida,
Espíritos murmuram o que não ousamos dizer em voz viva

No fundo de cada oração 
há um espelho quebrado:
quem pede, pede a si;
quem louca, louva o que sonha ser. 

Chamaram de divino o amor ideal,
de sagrado o poder inalcançável,
de transcendência o medo da finitude.
Deus, foi erguido como sombra
para que o homem não visse
a própria noite. 

Mas os templos rangem, 
e os céus sangram símbolos,
pois todo deus carrega a assinatura 
de quem o inventou

Quando o incenso apaga
e os cânticos se calam, 
resta o homem: nu, frágil, desamparado
criador de seus próprios abismos,
rezando para a imagem 
que ele mesmo moldou para suportar seu existir.

E talvez o maior pecado 
não seja negar os deuses,
mas esquecer 
que eles nasceram
do desespero humano
de não estar só
no escuro. 


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