Bakunin fala como quem desconfia do amanhã:
toda autoridade, mesmo a vermelha,
traz no bolso a semente da dominação.
Não existe Estado inocente,
nem ditadura pedagógica.
Quem governa em nome do povo
aprende rápido a governar contra ele.
Marx responde com a frieza da análise:
a liberdade não nasce do desejo,
mas da matéria.
Enquanto houver classes,
o poder não desaparece
apenas muda de mãos.
Negar o Estado sem abolir o capital
é confundir efeito com causa.
Bakunin retruca, incisivo:
abolir o capital com um novo Estado
é trocar o chicote de dono.
A burocracia não é acidente,
é consequência.
Toda vanguarda se autonomiza,
todo poder provisório cria raízes.
Gramsci entra com cuidado, mas firme:
o erro é pensar o poder
apenas como polícia e decreto.
O domínio se reproduz no consenso,
na linguagem,
no cotidiano aceito como natural.
Sem disputar a hegemonia,
a revolta se esgota no gesto.
Bakunin não cede:
hegemonia também é condução.
Quem dirige o pensamento
governa o corpo depois.
A liberdade não se ensina,
se exerce.
O povo não precisa de intérpretes,
precisa de condições.
Marx insiste:
a espontaneidade sem direção
serve ao inimigo.
O capital é totalidade,
organizado, internacional.
Enfrentá-lo exige estratégia,
não apenas negação.
Gramsci observa o impasse:
não há pureza fora da história.
Ou se constrói força coletiva,
ou se herda a força do adversário.
A questão não é evitar o poder,
mas impedir que ele se cristalize
em dominação.
Bakunin encerra, sem síntese:
todo poder cristaliza.
A revolução começa
quando ninguém manda
e ninguém obedece.
Se a liberdade espera a vitória final,
ela já foi adiada demais.
Silêncio.
Não há acordo possível.
Entre a abolição imediata
e a mediação histórica,
a fratura permanece aberta.
E talvez seja nela
que a política
revele seu limite.
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Nota de rodapé:
Mikhail Bakunin (1814–1876) – Filósofo e revolucionário anarquista russo, pensador do século XIX. Desenvolveu uma crítica radical ao Estado, à autoridade e à religião, defendendo a abolição imediata de toda forma de dominação institucional. Sua obra mais conhecida, Deus e o Estado, escrita entre 1870 e 1871 e publicada postumamente em 1882, constitui uma das mais contundentes críticas ao poder político e à transcendência.
Karl Marx (1818–1883) – Filósofo, economista e pensador social alemão do século XIX, formulador do materialismo histórico-dialético e da crítica da economia política. Sua obra exerceu influência decisiva na constituição do pensamento sociológico e da teoria social crítica. Entre seus trabalhos centrais destacam-se O Manifesto do Partido Comunista (1848, com Friedrich Engels) e O Capital.
Antonio Gramsci (1891–1937) – Filósofo e teórico político marxista italiano do século XX. Desenvolveu o conceito de hegemonia para explicar a dominação para além da coerção econômica e estatal, enfatizando o papel da cultura, da ideologia e do senso comum. Suas reflexões estão reunidas nos Cadernos do Cárcere, escritos entre 1929 e 1935.
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